Nibiru está próximo
Nas últimas décadas estamos experimentando algo quase patológico, um processo em que as pessoas buscam de qualquer maneira encontrar e estabelecer uma base científica para justificarem suas crenças de que estamos diante de uma destruição iminente. Tentam encaixar suas teorias empregando conceitos supostamente provenientes das profecias maias e de outras culturas, dos legados de Nostradamus e de variadas origens. Tudo fazem para terem como certo que o fim é inevitável e está próximo. Neste quadro, entre as causas mais invocadas ou apontadas pelos divulgadores e seguidores dessas crenças – revestidas de científicas sem o serem –, está a aproximação da Terra de um astro de grandes dimensões, vindo das profundezas ou da parte mais externa do Sistema Solar, e que provocaria uma quantidade quase inimaginável de problemas em nosso planeta.
Isso já foi previsto antes para várias datas, mas quando as alcançamos, nada aconteceu e o fim nunca se materializou – o que chega a gerar um sentimento de decepção nas pessoas que defendem a teoria do cataclismo derradeiro. Quantas vezes isso já aconteceu? Como explicar tal patologia? Mas há algo ainda pior, que é o fato de que a data da suposta destruição é sempre reconsiderada e remarcada, quando se verifica que nada ocorre, para que se tente manter acesa a ilusão. Isso é algo muito semelhante ao esperado contato definitivo com extraterrestres, que seria inevitável em datas já marcadas por inúmeros contatados e médiuns, inclusive no Brasil, mas que nunca se concretizaram. As pessoas que defendem tais idéias aparentemente acreditam que tenham mesmo sido escolhidas para anunciar a chegada de nossos visitantes ou o “fim dos tempos”, como veremos neste artigo – e algumas vezes, as duas coisas dentro de um mesmo pacote.
Existem vários nomes para o misterioso e tão esperado astro intruso e destruidor. Nibiru para os sumérios, Marduk para babilônios, Hercólobus para os gnósticos etc. Também encontramos várias versões e nomes para ele dentro do movimento espírita. Após muitos estudos da matéria, não tenho a menor dúvida, também, de que não faz sentido discutir este assunto tendo por base qualquer forma de crença em profecias, sejam de origem maia, atribuídas a Nostradamus ou relacionadas a mensagens espirituais. Igualmente, não cabe enxergar este tema tendo como fonte de informações os protagonistas de supostos contatos com os tripulantes de discos voadores. Afinal, se fizermos uma busca na internet, vamos nos deparar com uma surpreendente revelação: para quem defende a idéia do astro intruso, sua existência e aproximação definitiva de nosso planeta estaria mais do que documentada cientificamente. Ou seja, o que resta para se debater?
A edição UFO 148, de dezembro, veiculou um artigo bombástico de autoria do professor universitário Salvatore De Salvo, que apresenta este mesmo tipo de “revelação”: Nibiru vem e causará estragos inimagináveis. Em Nibiru: Perigo Iminente, De Salvo faz referências a uma série de sinais que já estariam sendo observados em todo o Sistema Solar, cuja origem, segundo o autor, só poderia ser atribuída à presença e aproximação do referido corpo celeste devastador. Se aceitarmos o que foi publicado – que está refletido na maioria dos sites que tratam do assunto –, a maior parte da humanidade está mais do que condenada à extinção. Mas a pergunta é: podemos realmente levar a sério esta história? Vamos analisar isto em profundidade neste texto.
Segundo o que concluí em meus estudos, a partir da análise das sucessivas visitas de ETs em nosso passado e de sua interferência na evolução biológica da humanidade, temos um visível grau de parentesco com outras espécies cósmicas. Porém, a hipótese de Sitchin difere da minha por ficar restrita à noção de que nossos visitantes estavam associados exclusivamente a Nibiru.
Indiscutivelmente, o trabalho de Sitchin é fruto de um exaustivo estudo das tradições sumérias e não pode ser descartado ou menosprezado – até porque, algumas de suas idéias chegam perto de noções atuais sobre a estrutura e formação do Sistema Solar. Mas, por outro lado, existem pontos realmente problemáticos nas interpretações do autor, como a idéia de Nibiru – se é que existe – ter abrigado um processo de evolução biológica capaz de gerar seres capazes de viajar pelo espaço. A astronomia considera faixa ou área de habitabilidade a região em torno das estrelas na qual as condições seriam favoráveis para o aparecimento e desenvolvimento da vida. Se existirem planetas nessa faixa, evidentemente dependendo ainda de outras condições, a vida pode nascer neles e trilhar um caminho evolucionário, levando até ao surgimento de formas capazes de viajar pelo espaço. Para que isso ocorra, é básico e necessário que o corpo não tenha órbita nem muito perto, nem muito longe de seu sol, pois do contrário os processos químicos, que estão na base da vida, não são viáveis, tanto para o surgimento quanto para o desenvolvimento e evolução da vida. Igualmente, quanto menor for a excentricidade de uma órbita planetária, melhor. Mas isso, é claro, se o hipotético mundo estiver dentro da referida faixa de habitabilidade.
Além da evidente dificuldade de interpretar textos milenares, como ele se propôs a fazer, quem pode garantir até onde tais manuscritos realmente representavam uma história real quando foram concebidos? Estamos tratando de documentos pertencentes a civilizações extintas há milhares de anos. Como ter certeza de que não seria uma novela ou uma obra de ficção o que pretendiam seus autores? Esta situação é a mesma de um hipotético arqueólogo do futuro que, talvez daqui a 3.000 anos, examinasse os restos de nossa civilização já extinta e descobrisse vestígios daquilo que antes foi uma biblioteca. Suponha o leitor que um dos primeiros exemplares descobertos e posteriormente traduzidos seja um livro de ficção científica descrevendo uma viagem interestelar no estilo do seriado Jornada nas Estrelas, e o segundo seja a versão literária do clássico A Guerra dos Mundos, de Orson Wells, dos anos 50? E mais: imagine o leitor que, no meio disso tudo, tal arqueólogo também encontrasse e traduzisse um relato jornalístico sobre a Guerra do Golfo. O que ele pensaria a respeito de nosso passado?
Não seria esta a mesma situação que enfrentamos agora quando estudamos relatos e lendas de povos que habitaram a Terra milênios atrás? É difícil dizer, mas existe um caminho que considero seguro para seguirmos em nosso raciocínio, com chance de nos levar à uma idéia do que pode ser a realidade. Primeiro, temos que fazer uma avaliação precisa das fontes que usamos ou podemos tomar como base de nossas interpretações. Simplesmente, não é possível querer discutir se estamos na iminência de um processo de destruição total de nossa espécie sem este cuidado básico e imprescindível. Em segundo lugar – e não tenho como deixar de chamar a atenção dos leitores para esta grave questão – estão os equívocos e a imprecisão da mídia quando divulga notícias de origem científica, principalmente da astronomia e da exploração espacial. Quando trata destes assuntos, a imprensa comete sérios deslizes, e isso tem que ser levado em consideração ao examinarmos a questão. Usar pequenas notas de jornais sobre supostas descobertas como fundamentação científica para este assunto é algo totalmente inaceitável e revela o quanto os seguidores de tal linha de pensamento estão longe dos mais elementares conceitos relativos ao método científico. Outra coisa que deve ser observada é a forma como os adeptos da existência de Nibiru defendem que ele representa uma ameaça fatal à Terra.
Freqüentemente, os proponentes desta hipótese e seus seguidores aludem à uma suposta “conspiração global de silêncio”, que os governos manteriam a elevado custo para deixarem a descoberta de tal astro intruso e sua ameaçadora aproximação longe do conhecimento público. Eu seria a última pessoa a negar o controle que os governos exercem sobre informações sensíveis, como a respeito da presença alienígena na Terra, mas o que se vê nos meios em que Nibiru é tratado foge do racional. Não há dúvidas de que existe uma espécie de “poder paralelo” no planeta, que sobrevive da ignorância das massas, mas existem limites para aceitarmos colocações deste tipo como desculpa para a falta de provas definitivas em relação a tudo que já se falou e se fala sobre Nibiru.
Dentro do próprio meio ufológico há muito devaneio sendo alimentado pela desculpa do acobertamento, e no caso de Nibiru temos o mesmo tipo de processo, porém agravado. Para que se tenha idéia da falta de comprometimento que as correntes que defendem a existência de Nibiru têm com a realidade, basta dizer que já existe até, por parte de alguns adeptos da teoria do cataclismo global, um projeto em andamento visando deixar nossa atmosfera “menos transparente”, afim de evitar que a humanidade possa ver o terrível astro intruso no momento de sua aproximação final. E as coisas não param por aí. Dentro do site oficial de Zecharia Sitchin [www.sitchin.com], para nossa surpresa, encontramos uma notícia referente a um simpósio realizado na Basiléia, Suíça, em 18 de outubro de 2008, em que se fizeram amplas menções a Enki e Nibiru. O evento, denominado Dominate 2012 Symposium [Simpósio sobre Dominar 2012], teria contado com participantes de pessoas de toda a Europa para discutir as medidas a serem tomadas frente à aproximação do astro intruso.
Segundo a notícia, o evento foi realizado em apoio ao Projeto Quéops, iniciativa surgida em 2001, na Polônia, com o objetivo de encontrar a chamada Conexão Enki, em Gisé e Hawara, no Egito – que, segundo os conferencistas, teria a capacidade de permitir à humanidade evitar as catástrofes atribuídas à chegada de Nibiru. Ainda de acordo com o texto, os locais para a busca da referida conexão foram indicados por Lucyna Lobos, uma vidente que em sua palestra afirmou que o deus Enki havia deixado naqueles locais egípcios instruções para criar um escudo para proteger a Terra dos efeitos devastadores que serão causados pelo astro intruso. Lucyna ressaltou que devem ser acelerados os esforços para encontrar estes dados e criar o tal escudo antes de 2012.
Chegando neste ponto da questão, vamos agora abordar o assunto em seu aspecto mais objetivo. O que trouxe esta discussão para a Revista UFO foi, como já disse, a publicação do texto Nibiru: Perigo Iminente, do professor Salvatore De Salvo, na edição UFO 148, de dezembro de 2008. De Salvo é, hoje, um dos nomes de maior destaque no país, e até mesmo considerado referência, quando o assunto é o astro intruso. Por isso, vamos analisar as supostas provas e evidências que fundamentam tanto seu artigo quanto as teorias sobre Nibiru que se repetem em inúmeros sites brasileiros e estrangeiros.
Para que se tenha uma idéia do projeto e do sucesso do IRAS, mesmo depois da reavaliação dos dados restaram nada menos que 350 mil fontes de radiação infravermelha, mas nenhuma delas compatível com as idéias referentes a Nibiru. Entre os destaques do telescópio orbital está a descoberta de um anel de poeira em torno da estrela Vega, que foi considerada a primeira evidência realmente forte da formação de planetas extrassolares, os processos de interação ou “choque” entre galáxias, detectado devido ao efeito térmico causado pelo encontro e aquecimento do gás interestelar das galáxias envolvidas etc. A descoberta de um novo planeta das dimensões de Nibiru seria um dos destaques do projeto, se não o maior, mas isso não pode ser confirmado.
Assim, tentar usar o IRAS ou suas observações para fundamentar a existência de Nibiru, é, como declarou recentemente Renato Las Casas, professor do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas e coordenador do Grupo de Astronomia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), algo totalmente despropositado, pois ele foi concebido para trabalhar na faixa do espectro eletromagnético conhecida como infravermelho e é impróprio para esta finalidade. Após o fim do IRAS, outros satélites exploraram o universo também na faixa do infravermelho, inclusive com capacidades superiores as dele, como o telescópio espacial Spitzer, lançado ao espaço em 2003 – mas também sem resultados positivos relacionados a esta área de pesquisa, ou seja, a descoberta de planetas.
MOVIMENTO DE TRANSLAÇÃO DA TERRA
Mas, antes de deixarmos de lado os aspectos relativos à pseudo descoberta de Nibiru pelo IRAS, é importante que ressaltemos mais uma das muitas incoerências e contradições existentes tanto no artigo de Salvatore De Salvo, como nos sites que defendem as mesmas propostas. A órbita de Nibiru, segundo os defensores de sua existência, seria extremamente inclinada em relação à eclíptica [Círculo máximo descrito pelo Sol ao longo do ano na esfera celeste], o que seria causado pelo movimento de translação da Terra em torno do Sol. Explicando de outra forma, a órbita de Nibiru não estaria dimensionada no mesmo plano dos outros planetas conhecidos. O próprio De Salvo, em seu artigo, deixa claro que o referido astro está muito abaixo da eclíptica ou do próprio equador celeste [O hemisfério sul celeste]. Como explicar ou entender a tentativa de usar a suposta e já desmoralizada detecção de Nibiru na Constelação de Órion? Será que não sabem que a referida constelação está bem próxima da eclíptica, e mais do que isto, exatamente no equador celeste?
O artigo Nibiru: Perigo Iminente tem seguimento e seu autor declara de maneira objetiva que, “em 1992, veio a confirmação de sua descoberta pelo cientista Robert Harrington, diretor do Observatório Naval dos Estados Unidos”. Continuando o texto, o autor revela ainda que “a massa desse corpo celeste é quatro vezes maior do que a da Terra e trata-se possivelmente de uma estrela anã escura, cuja órbita a leva de um lado a outro do nosso Sistema Solar”. Desta vez, De Salvo foi ainda menos prolixo. Não temos qualquer referência de onde tirou estas revelações e nem uma única linha foi escrita a respeito. Reparem que também não é dito como teria sido detectado tal corpo, nem muito menos a localização do mesmo. Isso para não falarmos que sua massa estimada, dessa vez, seria de apenas quatro vezes a de nosso planeta, entrando em contradição clara com a dimensionada na “descoberta” realizada pelo IRAS.
O telescópio espacial Spitzer [E], que explorou o universo na faixa do infravermelho, e o IRAS, que estaria envolvido na suposta descoberta de Nibiru, informação que não procede
A história segue com o autor revelando que, “ainda em 1992, os sinais ficaram mais precisos. Um informe da NASA dava conta de que ‘desvios inexplicáveis nas órbitas de Urano e Netuno apontavam para um grande corpo fora do Sistema Solar, de massa entre quatro e oito vezes a da Terra, numa órbita altamente inclinada e a mais de 11 bilhões de quilômetros do Sol”. Mas que informe da NASA se refere De Salvo? Sobre isso, mais uma vez, nem uma única linha é oferecida ao leitor. Em seguida o autor afirma que tal corpo seria o planeta Nibiru, o astro revelado por Zecharia Sitchin.
Ao contrário do que temos afirmado neste trabalho, tais supostas descobertas – hoje descartadas – estão relacionadas a coisas totalmente desconexas e sem qualquer ligação entre si. No primeiro caso, o do IRAS, o informe fala de algo não identificado e de tamanho comparado ao de Júpiter. A massa de Júpiter é equivalente a 318 vezes a da Terra. No segundo, a revelação faz menção a uma estrela do tipo anã escura dentro do Sistema Solar, cuja massa seria de quatro vezes a da Terra. No terceiro e último caso, é mencionado um “corpo” fora de nosso sistema, que ele diz ser o planeta Nibiru, apesar da referência a um planeta não ser feita no texto que serviu de base para De Salvo, que ele mesmo transcreveu.
Outra importante fonte de confusão quanto à existência de um corpo estranho no Sistema Solar são as chamadas perturbações gravitacionais, um conceito amplamente usado por aqueles que defendem a existência de Nibiru e os cataclismos relacionados à sua suposta aproximação da Terra. Realmente, desde a descoberta de Urano pelo astrônomo William Herschel, em 1781, passaram a ser detectadas anomalias no movimento do planeta, geradas por outro campo gravitacional, cuja origem ainda não havia sido observada visualmente.
Em 23 de setembro de 1846, a descoberta de Netuno pelo astrônomo alemão Johann Galle, do Observatório de Berlim, com base nos cálculos do matemático francês Urbain, do Observatório de Paris, constituiu um dos maiores triunfos da astronomia e da matemática do século XIX. Para prever e determinar a posição onde deveria estar o planeta, que passou então a ser procurado através de telescópios, Le Verrier estudou as perturbações do movimento de Urano, que afetavam o movimento orbital de Netuno, inexplicáveis para época. Mas após a descoberta do novo corpo e a determinação de sua órbita, verificou-se que Netuno não podia explicar completamente as perturbações do movimento de Urano. E mais: Netuno também não se comportava da maneira esperada em sua trajetória em torno do Sol.
A estrela Vega e os sinais de um sistema planetário em formação documentado pelo telescópio IRAS
NADA CONFIRMA O PLANETA X
Mas como este novo corpo tinha um diâmetro muito reduzido e brilho bastante inferior ao estimado, chegou-se a conclusão de que também a massa de Plutão era muito pequena para explicar as perturbações registradas nos movimentos de Urano e Netuno – isso antes da descoberta de sua lua Caronte, feita só em 1978. Diante disso começou a busca por outra fonte gravitacional que finalmente explicasse tais perturbações, e muitos cientistas se envolveram nessa tarefa. Mas isso é muito diferente do que é constantemente informado em vários sites relacionados a Nibiru, que afirmam de maneira incisiva que os astrônomos estão buscando localizar tal suposto astro intruso, como se fossem partidários das idéias que estamos analisando. Tais sites confundem o sentido da palavra descobertas com o termo estimativas matemáticas, que são até contraditórias entre si – o que não ocorreu na elaboração dos cálculos que levaram à descoberta de Plutão. Vamos ver alguns destes exemplos. Podemos começar com o trabalho do astrônomo norte-americano Joseph Brady, da Universidade da Califórnia, que estudou durante muito tempo o movimento do cometa Halley, valendo-se de informações que remontavam ao século III a.C. Segundo Brady, existiam irregularidades claras na trajetória do Halley, e ele passou a defender a hipótese da existência de um objeto transplutoniano – novamente o Planeta X – de massa avaliada em 280 vezes a terrestre e que gravitaria ao redor do Sol a uma distância estimada pelo cientista em cerca de 60 UA (unidades astronômicas), algo em torno de nove bilhões de quilômetros.
O Planeta X de Brady teria uma órbita quase circular e inclinada de 120 graus em relação ao plano da eclíptica, levaria aproximadamente 464 anos para dar uma volta completa ao redor do Sol e seu deslocamento orbital se daria no sentido oposto ao dos demais planetas. Tal suposição não foi aceita logo de início. Simulações realizadas atribuíram ao suposto planeta uma densidade e um albedo [A medida da quantidade de radiação solar refletida por um corpo ou uma superfície] que sugeriram que o seu brilho seria semelhante ao de um astro de décima primeira magnitude. Um corpo com tal brilho dificilmente deixaria de ser notado em buscas visuais, e, no entanto, nunca foi achado. Assim, a suposta “descoberta” também foi abandonada. Cálculos posteriores efetuados por uma equipe de cientistas do Observatório Naval dos Estados Unidos e outra do Instituto Tecnológico da Califórnia demonstraram ainda, com o passar dos anos, que o objeto de Brady era dinamicamente impossível de existir, pois não resistia a uma análise objetiva pela mecânica celeste.
Outra referência que é utilizada como apoio à existência de Nibiru está relacionada ao trabalho dos astrônomos norte-americanos Thomas Van Flandern [Ex-consultor da Revista UFO falecido em 02 de janeiro] e Robert Harrington, já citado, do Observatório Naval dos Estados Unidos, em Washington. Eles levantaram, em 1976, uma hipótese defendendo a existência de mais um planeta no Sistema Solar. Segundo a dupla, tal astro teria uma órbita fortemente inclinada em relação à eclíptica e muito alongada. Sua distância ao Sol variaria de 7,5 a 15 bilhões de quilômetros, com um período de translação de 800 anos. Essa hipótese, referente a um décimo planeta, tinha a vantagem de explicar duas características de nosso sistema estelar. Primeiro, em sua passagem pelo periélio, há muito tempo, tal corpo teria invertido o movimento de Tritão, principal satélite de Netuno, que tem movimento retrógrado. E segundo, teria retirado Plutão da família dos satélites de Netuno para colocá-lo na órbita atual. Apesar disso, o tal décimo planeta nunca foi encontrado.
Fotografias do Sol e de seus reflexos na objetiva da câmera, apresentadas em inúmeros sites como sendo provas “incontestáveis” da existência de Nibiru e de sua aproximação da Terra
Como solução para o impasse surgido pela falta de explicação para as perturbações gravitacionais nos confins do Sistema Solar, e como um modelo teórico alternativo que realmente pudesse ser aceito, os astrônomos brasileiros Rodney S. Gomes, do Observatório Nacional, e Sylvio Ferraz Mello, do Instituto Astronômico e Geofísico de São Paulo, sugeriram outra hipótese: a possibilidade da existência de vários planetas ainda a serem detectados. Mas como aconteceu nos casos que já citamos, tudo ficou no campo teórico. E poderíamos citar ainda muitos outros nomes dentro da comunidade astronômica que desenvolveram estudos na área das perturbações gravitacionais e acreditam terem encontrado sinais de um décimo planeta – ou nono, se considerarmos o recente “rebaixamento” de Plutão. Mas nenhuma dessas propostas pôde ser confirmada até hoje, e ainda que algumas delas tivessem sido, bastaria comparar os modelos desenvolvidos por tais cientistas com os dados referentes à suposta órbita de Nibiru para chegarmos à conclusão de que é inconcebível qualquer tentativa de se relacionar estes estudos com o assunto.
Mas então, o que dizer das propaladas perturbações gravitacionais? Elas explicam Nibiru? Bem, existe um cientista em nosso país que, apesar de suas colocações céticas no que diz respeito à Ufologia, é inegável referência nesta área da mecânica celeste, e não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Estamos falando do astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, do Observatório Nacional do Rio de Janeiro [Veja entrevista com ele nas edições UFO 130 e 131 e na obra O Pensamento da Ufologia Brasileira, parte II, código LIV-017 da coleção Biblioteca UFO, no Portal UFO: ufo.com.br]. Acompanho seu trabalho há muitos anos e aprendi a admirar sua capacidade de se colocar além das paixões e da emoção na avaliação de situações polêmicas ou em meio a opiniões contrárias, que muitas vezes também ocorrem, como seria normal, também na área da cosmologia.
Em 1985, por exemplo, quando o mundo todo se preparava para observar mais uma vez a passagem do cometa Halley e eram divulgadas notícias referentes ao espetáculo que seria visto mais uma vez no firmamento, Mourão, de maneira firme e até ferindo interesses comerciais, já alertava que a visão do cometa seria algo totalmente diferente e até decepcionante, se comparada com sua passagem anterior, em 1910. Não faltaram astrônomos falando o contrário, mas Mourão manteve sua posição de astrônomo responsável, que o tornou reconhecido como poucos em todo o mundo. Pois bem, o que ele tem a dizer a respeito dessas supostas perturbações gravitacionais? Nada que vá agradar aos adeptos da existência de Nibiru e sua ameaça à Terra. Em artigo publicado no jornal Correio Brasiliense, Mourão afirmou que as perturbações residuais do movimento de Urano e Netuno, utilizadas pelos defensores do Planeta X, são oriundas de erros sistemáticos que afetaram observações do século XIX, nada mais. “Para comprovar este argumento, convém assinalar que, durante seu vôo, a sonda Voyager 2 encontrou os dois planetas em suas posições previstas pelos cálculos realizados no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA”.
Mas o astrônomo brasileiro vai mais fundo. Segundo ele, desde 1992, as últimas descobertas de asteróides situados além de Netuno ou Plutão parecem confirmar a existência de um anel de pequenos planetas, como foi proposto, em 1951, pelo astrônomo norte-americano Gerard Kuiper. “Esses asteróides devem estar distribuídos numa faixa situada a uma distância de 500 unidades astronômicas”. Ainda segundo Mourão, a massa de tal anel poderia ser a resposta para qualquer irregularidade que ainda persista – se é que de fato existe – nas órbitas mais externas do Sistema Solar. A partir dessa nova e surpreende maneira de ver as coisas, podemos entender porque nenhum dos trabalhos teóricos referentes ao suposto décimo planeta foi confirmado por observações telescópicas. Para Mourão, tal corpo só existe na imaginação de alguns astrônomos.
Voltando às colocações do professor Salvatore De Salvo em seu artigo, constatamos que ele faz outras afirmações sem fornecer sua fonte. Depois de insistir que o IRAS havia encontrado Nibiru, o que não procede, o autor afirma que o astro intruso foi também confirmado, em abril de 2006, pelo telescópio SPT [South Pole Telescope ou Telescópio do Pólo Sul], localizado na estação polar Amundsen Scott, na Antártida. Segundo ele, tal aparelho “é considerado um instrumento perfeito, está localizado no lugar perfeito e funciona no momento perfeito para observar o Planeta X”. Ainda para De Salvo, o SPT continuaria a seguir os movimentos do misterioso corpo. Estas são, novamente, informações equivocadas. Por exemplo, o instrumento situado no Pólo Sul é, na verdade, um radiotelescópio que explora o universo na faixa das microondas. O SPT está longe de ser o aparelho ideal para este tipo de pesquisa ou detecção. “De fato, o telescópio seria completamente inadequado para a detecção do pretenso Nibiru”, afirmou o já citado Renato Las Casas, coordenador do Grupo de Astronomia da UFMG.
Apesar da constatação deste equívoco, existem vários sites e farta literatura ressaltando o envolvimento do SPT com toda a história. E devemos ressaltar ainda que não precisamos ir à Antártida para avistar astros que estejam próximos do pólo sul celeste, pois não há nada que possa ser visto daquele continente – em termos astronômicos – que não possa ser visto, por exemplo, do Rio de Janeiro. De qualquer forma, De Salvo insiste em seu artigo que é através do SPT – um instrumento que não “enxerga” planetas – que Nibiru continua a ser observado e acompanhado. “Toda essa vigilância aponta que o corpo está muito além do Sistema Solar, embora sua ação já o esteja alterando, fazendo surgir sinais precursores de suas interferências”, revela o autor ao finalizar suas referências ao instrumento instalado na Antártida.
Existe uma coisa que se chama mecânica celeste, área da astronomia em que a gravidade relacionada às massas dos corpos e suas velocidades definem a realidade que vemos no Sistema Solar e no universo em geral. É surpreendente que os defensores de Nibiru ignorem preceitos mínimos desse campo de estudos. Em determinados momentos, se formos levar em conta as declarações constantes no artigo de De Salvo, estamos diante de um astro intruso que não faz parte do nosso sistema estelar. Ele declara, por exemplo, que no momento atual Nibiru ainda está fora dele, e isso a quatro anos de sua aproximação definitiva da Terra. Chega até a dar a data precisa do periélio: 14 de fevereiro de 2013. Em outro ponto de sua narrativa, fala da órbita elíptica e excêntrica de Nibiru, que se supõe ser percorrida em torno do Sol. Aqui temos que usar a noção de velocidade de escape. Não há como um astro que descreva uma órbita como a mencionada pelo autor, e que esteja atualmente na posição também defendida por ele, chegar ao centro do Sistema Solar na data dada. Se ele estivesse com uma velocidade capaz de vencer tal distância nesse período, certamente não estaria em órbita do Sol. Já teria escapado da gravidade solar.
A interação entre os corpos do Sistema Solar, como em qualquer outro sistema estelar, está sujeita a regras já bem estabelecidas pela ciência, e não há como fugir delas. No macrocosmo, o mundo das galáxias, estrelas, planetas, luas etc, a interação gravitacional e a eletromagnética, além de governarem esta realidade, estabelecem de maneira objetiva as possibilidades e o nível de interação passível de ser manifestada. Aí não cabem fantasias, causa e efeito se manifestam de maneira meticulosa e precisa. Como entender ou aceitar a possibilidade, por exemplo, de que a presença de um corpo situado atualmente fora do Sistema Solar – mesmo que tenha a massa de Júpiter –, possa ser responsável pela suposta descoberta de gelo no planeta Mercúrio, como informa De Salvo? E ainda mais se no mesmo artigo ele afirma que Nibiru provoca um incremento na atividade solar? De forma análoga, não se pode atribuir a um suposto astro intruso o surgimento de uma fonte de raios gama na freqüência dos raios X no planeta Saturno. Ora, uma fonte não emite raios gama na freqüência dos raios X. É uma coisa ou outra. E independentemente disso, que tipo de relação teria isso com um hipotético Nibiru?
Afirmações inconsistentes, como estas, são freqüentes na literatura sobre o suposto astro intruso. O leitor quer outro exemplo? Que calota polar é esta que existiria em Marte e que teria desaparecido devido ao “aquecimento global” daquele planeta, iniciado por furacões? Esta informação, presente no texto de De Salvo, não tem como ser confirmada. A espaçonave Phoenix, enviada ao planeta pela NASA, congelou há poucos meses em local próximo ao pólo norte marciano, pela diminuição da radiação solar relacionada à aproximação do inverno. Assim como a Mars Express, da Agência Especial Européia, e o orbitador Mars Reconnaissance, também da NASA, continuam a fotografar a camada de gelo que cobre os pólos de Marte. As calotas variam sim de tamanho, mas devido às estações ao longo do ano, e isso nada tem a ver com a aproximação de um suposto astro intruso.
Outra afirmação de Nibiru: Perigo Iminente que causa espécie é a de que Vênus teria aumentado seu brilho em 2.500%, junto com substanciais alterações globais em sua atmosfera. Mais uma vez, não existe no artigo qualquer referência à fonte desta informação. No entanto, basta olhar o céu e verificar que o planeta continua manifestando exatamente o mesmo brilho que sempre apresentou. O mesmo se pode dizer da afirmação de que Júpiter também aumentou seu brilho nas nuvens que o rodeiam em 200%, o que também não tem consistência astronômica. Enfim, para os defensores da existência de Nibiru e de sua grave ameaça à Terra, estes seriam apenas alguns dos “surpreendentes sinais” das modificações que já estariam ocorrendo no Sistema Solar. Nenhum deles, no entanto, pode ser confirmado cientificamente, pelo contrário.
Salvatore De Salvo revela que, em 15 de maio de 2009, Nibiru estará a aproximadamente 11 UA do Sol. “A superfície de Marte derreterá, descongelando seus vastos reservatórios de água congelada”. Mais uma vez, a noção de causa e efeito é desconsiderada. Por acaso Nibiru é uma estrela? Vejamos que, segundo o próprio autor da afirmativa, esse fenômeno acontecerá quando o corpo estiver ainda a mais de 1,5 bilhão de quilômetros do Sol, ou 11 UA. Marte tem sua órbita a cerca de 1,52 UA, cerca de 228 milhões de quilômetros do Sol, e mesmo assim não recebe calor suficiente para sofrer este “descongelamento global”. Associar a atual atividade solar – que realmente está próxima de seu ápice, mas dentro de um ciclo natural – com Nibiru é outra incongruência que está sendo apresentada por quem defende sua existência sem critérios científicos. Mais uma vez, ainda que acreditássemos em Nibiru, não se justifica tal interação gravitacional ou eletromagnética.
Que importância poderia ter um corpo com a massa de Júpiter, como supostamente teria o astro intruso, se sua distância mínima do Sol seria de 256 milhões de quilômetros? O Sol contém simplesmente 99,85% de toda a matéria do Sistema Solar. Júpiter, o maior de nossos planetas, possui apenas algo em torno de 0,10%, e esta também seria a massa aproximada do hipotético Nibiru. Então, como explicar os efeitos atribuídos à aproximação do referido corpo? De Salvo escreveu que, entre 21 de maio de 2011 e 20 de dezembro de 2012, a aproximação do astro intruso “estimulará o Sol a disparar enormes erupções em todas as direções”. Revela também que a maioria delas será dirigida justamente ao astro intruso. Imaginar também algum tipo de interação no nível eletromagnético de Nibiru “contra” o Sol é algo ainda mais incoerente. Em 1982 tivemos um alinhamento especial dos planetas, ou seja, toda a massa do Sistema Solar esteve alinhada de um mesmo lado do Sol. Mas mesmo assim nada de peculiar aconteceu, apesar das previsões da época, alusivas também ao fim do mundo.
Outro ponto da polêmica sobre Nibiru que não podemos aceitar são as fotos do suposto astro intruso que estão circulando na internet e podem ser vistas em vários sites. Duas delas, por exemplo, que estão entre as mais divulgadas, são imagens da estrela V838 Monocerotis obtidas pelo telescópio espacial Hubble e tomadas respectivamente em maio e setembro de 2002. Como Nibiru poderia ser fotografado na Constelação do Unicórnio [Monóceros], situada na região do equador celeste? Esta é apenas mais uma contradição, já que o suposto corpo estaria bem abaixo da eclíptica, segundo a literatura que defende sua existência. Outra imagem, apresentada por defensores de Nibiru como uma “prova incontestável”, não passa de uma fotografia do Sol com seu reflexo na objetiva da câmera. A imagem foi supostamente obtida na Itália, mas o curioso neste caso é que, se fôssemos acreditar na interpretação que é dada a ela, todos já estariam observando Nibiru no céu, mesmo à vista desarmada. Em resumo, trata-se novamente de uma informação absurda, refletindo uma situação cada dia mais preocupante.
Poderíamos gastar muitas horas e muitas páginas apresentando as contradições e incongruências que são ditas sobre Nibiru, infelizmente já amplamente espalhadas pela rede mundial. A falta de sustentação científica para os dados apresentados como “incontestáveis” pelos adeptos de Nibiru é visível. E não vamos discutir aqui o quadro apocalíptico divulgado como resultado da passagem do astro intruso, que supostamente vitimaria quase a totalidade da humanidade nos próximos anos. No entanto, chega a ser curioso que o professor Salvatore De Salvo revele em seu artigo que não se sabe se Nibiru é um cometa, uma estrela anã escura ou um planeta. Conhecimentos básicos de astronomia determinam que, em um caso como o discutido neste artigo, de uma suposta aproximação da parte mais central de nosso sistema estelar, um cometa, uma anã escura ou um planeta reagiriam de maneira totalmente diferente. Além de gerarem, em caso de aproximação da Terra, efeitos distintos. Como então é possível apresentar tamanha riqueza de detalhes, e de maneira tão impositiva e definitiva? Só mais uma das muitas contradições dessa história.
Imagem infravermelha da galáxia Sombrero, da Constelação de Virgem, que possui cerca de 1 trilhão de sóis
A qualquer instante nosso planeta pode receber o impacto de um ou mais asteróides já descobertos e confirmados astronomicamente, que cruzam a órbita da Terra periodicamente. Eles são milhares e esta é uma possibilidade real, como já foi anunciada por inúmeras instituições científicas. Algo assim teria acontecido há cerca de 64 milhões de anos, segundo alguns investigadores, resultando numa mudança drástica nas condições planetárias e na extinção dos dinossauros e de outras espécies. Isto poderia se repetir até mesmo hoje, e provavelmente só saberíamos muito tempo depois, quando a humanidade se refizer e buscar compreender seu passado, como fazemos hoje. Como pode vir a ocorrer apenas dentro de muitos milhões de anos.
O registro fóssil que documenta a presença da vida em nosso planeta ao longo das várias eras e períodos geológicos revela algo nem um pouco inspirador: mais de 95% das espécies que já habitaram nosso planeta hoje estão extintas. Ao longo dos seus 4,6 bilhões de anos, a Terra passou por vários processos cataclísmicos, e em vários momentos a vida quase desapareceu como sinal das adversidades geradas por tais desastres cósmicos. É uma certeza científica que nosso planeta é atingido periodicamente por artefatos do espaço, e existem outras possibilidades catastróficas, também de origem astronômica, que podem afetar não só nosso mundo como qualquer outro do universo. Não precisamos inventar coisas como Nibiru. O homem também é suficientemente perigoso e estamos cansados de testemunhar sua insanidade, e o próprio cosmos nos revela que tudo tem um começo e terá um fim
Finalizando, bem a propósito de toda esta história sobre Nibiru, gostaria de ressaltar que a ausência de evidência de algo não é prova de inexistência deste algo. Se por um lado não podemos provar a inexistência de Nibiru, temos que enfatizar que “prova” é uma coisa muito diferente do que tem sido apresentado até agora para substanciar sua alegada existência e ameaça à Terra. Dentro deste espírito, o presente artigo foi escrito tendo uma única inspiração: minha responsabilidade com os leitores da Revista UFO. O primeiro artigo que ela veiculou, 25 anos atrás, quando ainda se chamava Ufologia Nacional & Internacional, foi de minha autoria. Passadas duas décadas e meia, não poderia me omitir neste momento tão preocupante para nossa espécie, quando o bom senso e a busca da realidade – estes sim – parecem rumar para a extinção.
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